AREA 31(2) - Maria Fernanda Pilotto Brandi e João Carlos de Oliveira Cesar

Estudo de caso de três residências de Frank Lloyd Wright. Como o levantamento e a análise por meio de um sistema de notação de cromática auxilia na apreciação de projetos arquitetônicos


 
MARIA FERNANDA PILOTTO BRANDI
JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA CESAR

Universidade de São Paulo
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design

Resumen

O presente artigo analisa três obras do arquiteto norte-americano Frank Lloyd Wright (1867–1959), a Casa Darwin D. Martin (1903), a Casa Graycliff (1926) e a Casa da Cascata (1934), a partir de um levantamento realizado com base no sistema cromático NCS (Natural Colour System). O objetivo é demonstrar como a utilização de sistemas cromáticos podem contribuir, não apenas para o registro e a preservação de edificações, mas também para a análise do projeto de arquitetura, inclusive em obras de arquitetos consagrados como Wright. Tal abordagem oferece uma perspectiva alternativa, a partir do ponto de vista historiográfico, tecnológico e de projeto, muitas vezes resultando uma análise inédita no campo da arquitetura. Inicialmente, foram produzidas fichas cromáticas que sintetizam o levantamento e as paletas correspondentes de cada estudo de caso. A partir desses dados, realizaram-se análises da quantidade de branco (W), da cromaticidade (c) e dos matizes dos materiais utilizados nas obras. Os resultados revelam que Frank Lloyd Wright possuía uma compreensão sensível e subjetiva dos atributos cromáticos, aplicando-os de maneira intencional e integrada à linguagem arquitetônica. Essa aplicação consciente evidencia o papel essencial da cor na construção da atmosfera dos espaços projetados, de modo que qualquer alteração cromática comprometeria a integridade da experiência arquitetônica pretendida pelo arquiteto.

 

Palabras clave
Frank Lloyd Wright, Cor e materialidade, Arquitetura, NCS, Projeto arquitetônico

 

 

Recibido
31 de mayo de 2025
Aceptado
30 de setiembre de 2025

 

Introdução

O presente artigo analisa três obras do arquiteto estadunidense Frank Lloyd Wright (1867-1959) pelo ponto de vista de um levantamento no sistema cromático Natural Colour System (NCS). Visa demonstrar como o uso de padronizações cromáticas podem auxiliar, além do registro e restauro, no estudo de arquitetura, inclusive em obras de arquitetos renomados. Essa abordagem pode gerar outro ponto de vista historiográfico, projetual e tecnológico da arquitetura, muitas vezes inédito.

As obras escolhidas foram a residência Darwin D. Martin (1903), a casa de veraneio Isabelle R. Martin (apelidada de Graycliff, 1926) e a casa Edgar J. Kaufmann (conhecida como Casa da Cascata, 1934). Este texto visa apresentar de forma resumida parte da pesquisa de mestrado que resultou na dissertação intitulada Sutilezas cromáticas na arquitetura de Frank Lloyd Wright. Além disso, esse texto amplia a discussão feita nos estudos de caso da dissertação e possui novas análises, como a cor da caixilharia da Casa Graycliff, e imagens didáticas.

A cor na arquitetura pode ser representada pela sua materialidade. Os materiais usados tanto em revestimentos, acabamentos como nas infraestruturas evidenciam aspectos tecnológicos, como características culturais, econômicas, regionais e políticas do momento de sua concepção e execução da edificação. Portanto pode-se considerar o que foi dito por Jean-Philippe Lenclos e Dominique Lenclos (2004, p. 5), que a cor é um elemento inseparável do patrimônio arquitetônico e cultural, devido a aplicação no seu entorno, disponibilidade no mercado e época. Com essa visão cultural e histórica, a cromaticidade na arquitetura pode servir como base para futuras pesquisas sobre a evolução da estética e do uso da cor nas edificações.

Mesmo com essa presença fundamental na arquitetura, muitos historiadores, teóricos e profissionais da área não se atentam para a cor na arquitetura. Isso propiciou uma falsa compreensão de que alguns movimentos arquitetônicos seriam completamente acromáticos ou monocromáticos. Mesmo com a comprovação de que arquitetos relevantes para a historiografia, como Le Corbusier, estudaram e pensaram a cor em seus projetos, ainda permanece uma cegueira cromática referente a muitos projetos de arquitetura. O termo foi usado por Deborah Ascher Barnstone (2022, p. 2) ao descrever como projetos cromáticos são percebidos de forma acromática por historiadores e professores de arquitetura. Assim, um letramento cromático na arquitetura se faz necessário. Pois não perceber essas questões pode-se acabar afetando a percepção de outros aspectos projetuais e construtivos citados anteriormente, como características culturas, econômicas, regionais e técnicas de um projeto.

Este artigo se debruça na lacuna que há na pesquisa acadêmica focada na cromaticidade em certos edifícios históricos. Frank Lloyd Wright foi um arquiteto proeminente, contudo não se encontraram pesquisas acadêmicas tratando da cromaticidade em seus projetos, incluindo as três residências escolhidas como estudo de caso. Duas das residências, a Casa Martin e a Casa da Cascata (está última tornou-se patrimônio mundial da UNESCO somente em 2019), são edifícios icônicos do arquiteto. Mesmo com essa relevância, havia a falta de levantamento cromático usando um sistema de notação e uma discussão sobre os atributos cromáticos das edificações escolhidas.

Método

Inicialmente foi feito um levantamento bibliográfico do arquiteto e, a partir dele, notou-se quais de seus projetos eram mais citados e possuíam relevância para pesquisadores, críticos e historiadores de sua obra. A seguir buscaram-se referenciais teóricos e iconográficos de projetos do arquiteto, principalmente os que discorriam sobre sua materialidade e, quando possível, nas questões cromáticas.

Escolheu-se focar em projetos residenciais pois, segundo o arquiteto brasileiro Joaquim Guedes:

A casa condensa todos os grandes problemas da arquitetura, sendo considerada o laboratório por excelência da invenção arquitetônica do século XX e da investigação dos limites da arte de construir o espaço humano possível em cada momento e lugar (Guedes, 2003, apud Fiorini, 2014, p. 17).

Assim, as três residências escolhidas foram projetos experimentais para Wright e auxiliaram a concretizar e definir pensamentos de projeto e execução. Juntamente com isso, é possível observar conceitos projetuais e técnicos do período histórico desde o projeto até a execução do edifício (Fiorini, 2014, p. 21). Ao estudar uma edificação pela ótica da cromaticidade, e consequentemente sua materialidade, esses fatores se tornam mais evidentes. A seguir serão discorridas as diferenças e semelhanças dos estudos de caso abordados nesse artigo.

Com referência às diferenças, tem-se o contato e informações fornecidos pelas entidades que cuidam desses bens patrimoniais. No caso da Graycliff e da Casa da Cascata, conseguiram-se informações sobre a materialidade, cromaticidade e cores. Contudo, na Casa Martin não se teve resposta da organização que administra e cuida do restauro. Outra diferença é a fase que o projeto está no amadurecimento do arquiteto. Wright projetou a Casa Martin no auge da pradaria e de seus revestimentos e materialidades enquanto a Casa da Cascata se aproxima do modernismo, com apenas 4 materiais usados (concreto, pedra, vidro e caixilharia metálica). Com essas informações foram feitas, consequentemente, discussões cromáticas diferentes.

Mesmo assim, há semelhanças fundamentais nos estudos de caso. Além de serem projetos do mesmo arquiteto, o primeiro caso (Casa Martin, Figura 1) e o segundo (Graycliff, Figura 2) tiveram a mesma família como cliente. O primeiro foi a residência principal da família e o segundo a casa de veraneio, focada na concepção da esposa de Martin. A conclusão da construção do segundo caso se aproxima, temporalmente, do terceiro caso (Casa da Cascata, Figura 3). Nota-se que soluções arquitetônicas pensadas para o segundo caso, foram executadas no terceiro, como a abertura dos caixilhos no canto e a cantaria em pedra. Com essas considerações, partiu-se para o levantamento cromático.

Figura 1
Acima. Casa Darwin D. Martin.
Fonte: Brandi, 2025, p. 209.
Figura 2
Abaixo. Casa Graycliff.
Fonte: Brandi, 2025, p. 166.
Figura 3
Casa da Cascata.
Fonte: Brandi, 2025, p. 220.

Além dessa parte teórica, considerou-se também o acesso às edificações pois, o sensor cromático (Nix Colour Sensor mini 2) utilizado no levantamento precisa de contato direto com a superfície para a realização da leitura. Escolheu-se o sistema NCS, pois este se baseia tanto na percepção cromática de diversos observadores como em teorias científicas. Além disso, ele é muito usado na análise da obra de outros arquitetos como na paleta Salubra de Le Corbusier (Serra Lluch, Llopis Verdú, Torres e Giménez, 2016).

A partir dos dados no sistema de notação cromático, aproximou se os números levantados para múltiplos de cinco, para facilitar a análise e, considerando-se as grandes variações da cor na arquitetura, essa aproximação não influenciaria significativamente, na discussão. Os dados cromáticos foram copilados de forma semelhante às fichas cromáticas feitas por Cristiani Pansonato Guessi Balieiro (2020). As fichas serão apresentadas nas seções de cada estudo de caso e contém os seguintes itens:

> Nome do projeto levantado;
> Data e hora do levantamento cromático;
> Local de contato do sensor cromático;
> Nome dado à superfície medida;
> Revestimento da superfície;
> Código da cor NCS 2050 Standard Colour;
> Paleta cromática com as cores levantadas.

A partir das informações das fichas de cada estudo de caso, produziram-se gráficos para analisar, qualitativamente, os atributos cromáticos considerando o sistema NCS. Foram estudados a quantidade de branco (W), cromaticidade (c) e matiz em função da repetição no projeto estudado e suas posições na edificação. Os gráficos auxiliam a ter uma visão ampla dos revestimentos usados e sua composição na obra do arquiteto.

Considerando-se a quantidade de branco e a cromaticidade, observou-se a relação entre quais revestimentos possuíam maior ou menor valor e suas interações com o restante e com o levantamento teórico feito do Wright. A seguir, estudaram-se os matizes presentes e sua presença no círculo cromático. Após a análise de cada atributo foi feita uma breve apreciação do projeto e suas relações cromáticas. Essa etapa visa discutir as relações cromáticas no projeto arquitetônico segundo preceitos definidos por Frank Lloyd Wright e suas influências, com o levantamento da materialidade do projeto sob a ótica de um sistema de notação cromática.

Análise dos atributos levantados

Tomando como base a ficha cromática apresentada, realizou-se a análise dos atributos cromáticos do sistema de notação cromática (Figura 4).

Casa Martin
Figura 4
Ficha cromática da Casa Martin.
Fonte: Brandi, 2025, p. 150.

Grande parte das cores identificadas estão no terço com menor quantidade de branco (Figura 5). Isso pode ocorrer pelo fato da maioria dos materiais da fachada serem porosos (como tijolos, concreto e cerâmica do telhado), que tendem a escurecer com o tempo devido ao acúmulo de resíduos e diferenças na exposição às intempéries. Outros revestimentos, como pinturas sobre madeira e metal, apresentam níveis de branco semelhantes aos demais materiais. Apenas dois revestimentos atingem 50% de branco: as tintas utilizadas nos beirais e no teto da passarela.

Figura 5
Gráfico do branco (W) e cores levantadas da Casa Martin.
Fonte: Brandi, 2025, p. 207.

A Figura 6 apresenta a cromaticidade da Casa Martin, que se concentra também no terço inferior. A menor cromaticidade foi observada no concreto da base dos tijolos, enquanto os maiores valores foram registrados em alguns dos próprios tijolos. É interessante notar que as amostras estão distribuídas de forma uniforme, seguindo uma progressão nos valores de 10%, 20% e 30%.

Figura 6
Gráfico da cromaticidade (c) e cores levantadas da Casa Martin.
Fonte: Brandi, 2025, p. 207.

Em relação aos matizes (Figura 7), todos apresentam uma presença de amarelo (Y). A maioria das cores analisadas concentram-se no matiz Y30R, correspondendo à cerâmica do telhado e às pinturas aplicadas em metais e madeiras. Duas cores apresentam um pouco do verde (G), referentes aos concretos utilizados na base e no acabamento do muro de tijolos. No outro extremo da distribuição, no matiz Y10R, encontram-se a cor de um dos tijolos e as tintas aplicadas nos beirais e no teto.

Figura 7
Gráfico de matizes e das cores levantadas da Casa Martin.
Fonte: Brandi, 2025, p. 207.
Casa Graycliff

As análises dos atributos cromáticos da Casa Graycliff tomaram como base a ficha cromática ilustrada na Figura 8.

Figura 8
Ficha cromática da Casa Graycliff.
Fonte: Brandi, 2025, p. 172.

Nesse estudo de caso referente à quantidade de branco (W), a maioria das cores analisadas estão no terço mais escuro, com duas cores situadas no terço intermediário com 40% de branco (Figura 9). Esses revestimentos correspondem aos dois estuques externos no andar superior e à porta de entrada (madeira pintada). Já os revestimentos com menor quantidade de branco são as pedras e as telhas do telhado. Assim como no estudo de caso anterior, os revestimentos externos da Graycliff também apresentam porosidade, o que favorece o acúmulo de resíduos ao longo do tempo e diferenças na influência da luz solar.

Figura 9
Gráfico do branco (W) e cores levantadas da residência Graycliff.
Fonte: Brandi, 2025, p. 213.

No que diz respeito à cromaticidade deste estudo de caso, todas as cores levantadas se encontram no terço inferior (Figura 10). As cores com menor cromaticidade foram observadas em algumas pedras, no rejunte de concreto entre elas e na pintura aplicada sobre a madeira. Por outro lado, as cores com maior cromaticidade incluíram outras pedras e os estuques.

Figura 10
Gráfico da cromaticidade (c) e cores levantadas da residência Graycliff.
Fonte: Brandi, 2025, p. 213.

Em relação aos matizes da Casa Graycliff da residência, assim como no caso anterior, todos possuem amarelo na sua composição (Figura 11). A maioria das cores analisadas encontra-se nos matizes Y e Y30R, predominando em elementos como pedras, ferrugens e estuques. A maior concentração de amostras está localizada entre os matizes Y30R e Y50R. O único matiz que apresenta tonalidade esverdeada, G50Y, foi identificado na pintura da madeira na área externa.

Figura 11
Gráfico de matizes e cores levantadas da residência Graycliff.
Fonte: Brandi, 2025, p. 213.
Casa da Cascata

Por fim, para a Casa da Cascata, levou-se em conta a Figura 12, contendo a ficha cromática, para as análises dos atributos cromáticos.

Figura 12
Ficha cromática da Casa da Cascata.
Fonte: Brandi, 2025, p. 196.

No atributo da quantidade de branco, as cores analisadas estão distribuídas entre o terço inferior, com menor presença de branco, e o terço intermediário (Figura 13). As tonalidades com menor quantidade de branco correspondem às pedras e à pintura dos caixilhos. Já entre os revestimentos mais claros, destacam-se as pinturas aplicadas sobre o concreto.

Figura 13
Gráfico do branco (W) e cores levantadas da Casa da Cascata.
Fonte: Brandi, 2025, p. 217.

Ao analisar a cromaticidade (c), conforme ilustrado na Figura 14, observa-se que a maioria das cores se encontram no terço menos cromático. As pedras apresentam os menores valores de cromaticidade com valores de 10%. No entanto, uma das amostras desse mesmo material atingiu 30% de cromaticidade. A pintura aplicada no concreto é o segundo material com menos cromaticidade (20%). O material mais cromático usado nas fachadas é a pintura nos caixilhos, com 30%.

Figura 14
Gráfico da cromaticidade (c) e cores levantadas da Casa da Cascata.
Fonte: Brandi, 2025, p. 217.

A análise do atributo dos matizes, conforme demonstrado na Figura 15, indica que todas as amostras possuem o matiz amarelo (Y). A maioria das cores levantadas concentra-se entre Y10R e Y40R. Algumas pedras situam-se no extremo esquerdo e as demais pedras e as pinturas no concreto estão, predominantemente, no matiz com maior frequência de repetições, o Y30R. A cor dos caixilhos, denominada Vermelho Cherokee, está associada ao matiz mais próximo do vermelho, destacando-se nesse aspecto.

Figura 15
Gráfico dos matizes e cores levantadas da Casa da Cascata.
Fonte: Brandi, 2025, p. 217.

Discussão dos atributos levantados

Casa Martin

A partir da descrição dos atributos, é possível realizar uma análise cromática da fachada do edifício, conforme ilustrado na Figura 16. Wright atribuía aos beirais a função de refletir a luz de maneira difusa para o interior do ambiente (Wright, 1977, p. 166), o que se observa nesta residência por meio da aplicação de uma cor com alta concentração de branco (50%) e cromaticidade reduzida (20%), além de um matiz que se aproxima do amarelo (Y10R). Já os elementos com menor teor de branco (20%) e cromaticidade (10%) aparecem destacados como os contornos nos beirais e na caixilharia.

Figura 16
Fachada da residência Martin com as cores levantadas.
Fonte: Maria Fernanda Pilotto Brandi.

No caso dos beirais, esse recurso pode gerar um contraste na coloração da pintura, intensificando a percepção de luminosidade, inclusive nos espaços internos. Isso poderia causar um contraste na cor da pintura, aumentando a aparência de luminosidade, inclusive no interior. Tal contraste contribui ainda para conferir leveza ao conjunto arquitetônico, atenuando a “verticalidade dos pilares” de tijolos na fachada e enfatizando a predominância da horizontalidade da arquitetura organicista de Wright. Quanto aos caixilhos, por estarem recuados, o uso da cor com menor proporção de branco (20%) e baixa cromaticidade (10%) estabelece uma relação com as áreas de sombra, reforçando visualmente seu afastamento em relação ao plano da fachada.

O mesmo fenômeno relacionado às escolhas cromáticas pode ser observado nas entradas da residência, conforme ilustrado na Figura 17. Destaca-se, nesse contexto, o uso do piso em pastilhas, que se estende de maneira contínua entre os espaços externos e internos da casa. Esse revestimento apresenta baixa quantidade de branco (20%) e a menor cromaticidade registrada no levantamento (10%). De acordo com os dados da ficha cromática, o piso e as pastilhas compartilham o mesmo código NCS, estabelecendo contraste com a cor identificada no restante do teto.

Figura 17
Entrada de PCD da cada Martin com os revestimentos e os códigos NCS.
Fonte: Maria Fernanda Pilotto Brandi.

A transição entre teto, paredes e piso, especialmente no que se refere à quantidade de branco e cromaticidade, contribui para a definição dos planos do espaço e auxilia na percepção da porta. É particularmente interessante observar, na Figura 17, a presença de um trecho da parede próximo ao teto revestido com o mesmo material, recurso que, segundo o próprio Wright, visava criar a impressão de um pé-direito mais elevado (Wright, 1977, p. 167).

Wright faz uso recorrente de elementos lineares não apenas para demarcar setores no projeto, mas também para gerar contrastes cromáticos. Tal abordagem evidencia a forte influência da arquitetura japonesa em sua obra (O’Hern, 1988, p. 47-48, apud Meech, 2001, p. 52). É possível supor que o arquiteto considerava cuidadosamente os afastamentos, reentrâncias e nichos em seus projetos, definindo em quais situações o revestimento deveria reforçar as sombras, como no caso dos caixilhos nas fachadas, e em quais deveria suavizá-las, como na porção da parede revestida com o mesmo material do teto, além de potencializar a entrada de luz quando desejado, como citado nos beirais.

Casa Graycliff

Com base nas informações obtidas a partir do levantamento cromático e sintetizados na ficha, é possível concluir que as pedras (as primeiras quatro cores são o levantamento das pedras, seguidos de duas cores de ferrugem das pedras e, por fim, a cor do rejunte de concreto) utilizadas no revestimento da fachada estabelecem uma dinâmica de contraste e harmonia com o estuque. Tal efeito decorre da natureza do revestimento, que atua como cor partitiva na composição arquitetônica. Algumas das pedras analisadas apresentam diferenças significativas nos valores de branco e cromaticidade em relação ao estuque, enquanto outras exibem valores similares. Essa variação contribui para a suavização dos contrastes visuais, promovendo uma integração mais equilibrada entre os materiais. Essa relação pode ser vista na Figura 18.

Por serem compostas por unidades justapostas e unidas por rejuntes, as pedras tendem a parecerem mais escuras em comparação ao plano contínuo do estuque. Além disso, esse material contribui para reforçar a leitura dos volumes verticais da edificação, como exemplificado na entrada principal da residência (Figura 18). Em determinadas situações, esse revestimento encontra-se aplicado em reentrâncias, como na varanda da fachada frontal e em segmentos de parede protegidos pelo avanço da cobertura.

Figura 18
Fachada frontal da residência Graycliff junto com os revestimentos e os códigos NCS.
Fonte: Maria Fernanda Pilotto Brandi.

Outro elemento que contribui para a ênfase na horizontalidade e, de certo modo, para a compressão visual do conjunto arquitetônico, é o plano da cobertura, cuja cor apresenta uma menor quantidade de branco (20%) em comparação ao estuque (30%). Além disso, a presença das telhas projeta sombras que intensificam a percepção de escurecimento de suas cores. Esse plano estabelece uma relação visual com o revestimento de pedras do térreo, tanto no que se refere à quantidade de branco quanto à cromaticidade. Tal relação é ilustrada na Figura 18, que apresenta a imagem da fachada juntamente com as cores analisadas.

Ao observar mais atentamente a fachada principal (Figura 18), é possível identificar elementos em madeira pintados, sejam eles os caixilhos como elementos lineares que arrematam planos e cobertura. Os elementos lineares contam com um matiz de tonalidade esverdeada e baixa cromaticidade (5%). Esses componentes, em conjunto com o estuque, que possui matiz entre 30% e 40% de vermelho e maior cromaticidade (20%). Esse contraste faz com que os elementos lineares tenham uma aparência visual mais esverdeada, o que contribui para a ênfase nos planos horizontais formados pelo estuque. As madeiras pintadas também se encontram nos beirais das coberturas, onde o tom predominante é um amarelo com 50% de vermelho. Dessa forma, tais elementos atuam como mediadores visuais entre os diferentes materiais e revestimentos, promovendo equilíbrio cromático, reforçando a horizontalidade do conjunto e funcionando como acabamento entre os distintos planos arquitetônicos.

Em relação a cor levantada dos caixilhos, elas se aproximam nos três atributos das cores dos estuques o que auxilia na aparência de integração com o vidro dando a impressão de iluminação ou escuridão dependendo do ângulo de visão (onde pode ser possível ver através da construção ou suas reentrâncias sem iluminação).

Casa da Cascata

O concreto presente na residência é revestido por uma pintura que apresenta entre 40% e 50% de branco e cerca de 20% de cromaticidade. Em contraste, os demais revestimentos, especialmente as pedras, exibem valores significativamente menores, tanto em termos de branco (10%) quanto de cromaticidade (10%). Além desses atributos cuja medição é possível, a própria textura das pedras contribui para a percepção de uma menor quantidade de branco, sobretudo quando comparada ao concreto, cuja superfície constitui um plano menos rugoso. As diferenças cromáticas e de texturas entre os materiais não apenas estabelecem um contraste visual, mas também acentuam a leitura da horizontalidade do concreto e da verticalidade das pedras. Essa composição pode ser observada na Figura 19.

Figura 19
Planos horizontais do concreto e verticais das pedras na Casa da Cascata.
Fonte: Maria Fernanda Pilotto Brandi.

A predominância da horizontalidade dada pelo concreto é contraposta pela verticalidade das superfícies revestidas em pedra. Destaca-se, ainda, o papel do vidro e metal da caixilharia na composição, atuando simultaneamente como elemento de suporte visual para os planos de concreto, atribuindo-lhes maior leveza, e como meio de fragmentação do monólito vertical de pedras, conforme ilustrado na Figura 20. Para reforçar essa integração, a cor dos caixilhos, identificada como vermelho Cherokee, apresenta uma quantidade de branco semelhante à das pedras (10%) e uma cromaticidade próxima à do concreto (30%), promovendo articulação cromática entre os diferentes materiais e contribuindo para a coesão visual do conjunto arquitetônico.

Figura 20
Relação dos materiais na Casa da Cascata.
Fonte: Maria Fernanda Pilotto Brandi.

A relação entre luz e sombra está presente em toda a composição do projeto. Destaca-se, nesse contexto, a paginação das pedras, que contribui para reforçar a leitura horizontal do concreto, ao mesmo tempo em que gera sombras no plano vertical. Observa-se, ainda, a presença de pedras dispostas em balanço, em analogia aos volumes de concreto projetados, o que intensifica a incidência de sombras, perceptíveis inclusive na transição do exterior para o interior, evidenciada pela transparência dos caixilhos de vidro. A cor dos caixilhos, com sua baixa quantidade de branco (10%) e cromaticidade (30%), auxilia nessa conversa, reforçando a relação de claro e escuro. Essa interação fica visível na Figura 21, que evidência tanto os efeitos de luz e sombra produzidos pelas pedras, quanto a escuridão vista nos vidros e caixilhos ao serem observados do exterior para o interior.

Figura 21
Relação dos materiais com claro e escuro.
Fonte: Maria Fernanda Pilotto Brandi.

Considerações finais

As paletas cromáticas, separadas por estudo de caso, refletem a composição cromática do arquiteto no momento de concepção e execução da obra e, consequentemente, ao longo de seu amadurecimento projetual, disponibilidade no mercado e evolução da técnica. Portanto, conforme (Balieiro, 2020, p. 25), tem-se uma síntese cromática sinalizando, de certa forma, a identidade cromática do arquiteto em um panorama geral. Uma sugestão de trabalho futuro seria realizar o levantamento de outras residências e de períodos do arquiteto, como nas residências de textile blocks no Arizona como das casas Usonians na costa leste dos Estados Unidos. Com isso é possível enriquecer a discussão do presente texto e ampliar a percepção de como Frank Lloyd Wright pensava e usava as cores e materiais em seus projetos.

No quesito dos matizes, todas as cores levantadas e analisadas continham algum grau de amarelo. Provavelmente, o arquiteto compreendia que a presença constante de um matiz auxilia na composição do conjunto. Sempre que desejava destacar um elemento, e esse deveria ocorrer segundo os matizes, ele se deslocava para o matiz complementar, mas mantinha uma porcentagem do matiz definidor. No caso da madeira pintada na Graycliff, Wright escolheu uma cor que continha verde, para contrastar como os planos de vermelho compostos pelo estuque. Contudo o verde continha amarelo na sua composição, o que mantem a predefinição cromática do amarelo nesse estudo de caso. Outra sugestão de trabalho futuro é a composição dos matizes em revestimentos naturais, como pedras e tijolos, e qual a relação que esse atributo pode ter com outros tipos de revestimento na arquitetura.

A partir das análises realizadas nos levantamentos dos estudos de caso, utilizando as fichas cromáticas com os atributos de quantidade de branco (W), cromaticidade (c) e matiz, evidencia-se que a cor desempenha um papel fundamental na formulação dos conceitos arquitetônicos e na expressão do discurso projetual de Frank Lloyd Wright. O arquiteto empregou com sensibilidade a cor partitiva como estratégia para promover transições graduais entre diferentes níveis de branco e cromaticidade, aspecto observado em todos os casos analisados, seja no uso de pedras e tijolos, seja nas variações das superfícies que, ao gerar sombras, alteram a percepção cromática dos materiais.

Esses três atributos cromáticos podem ser compreendidos como correspondentes às influências da luz, sombra e penumbra, elementos que Wright articulava intencionalmente em suas composições. A compreensão da penumbra como fenômeno de transição entre luz e sombra também era parte do repertório do arquiteto, como exemplificado nos tijolos da Casa Martin. Além disso, a análise indica que Wright selecionava conscientemente certos revestimentos mais escuros com o propósito de intensificar, ou, em alguns casos, suavizar, o jogo entre claro e escuro, reforçando a interação dinâmica entre luz e sombra como elemento constitutivo da espacialidade arquitetônica ■


REFERENCIAS

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  • Barnstone, Deborah Ascher (2022). The color of modernism: paints, pigments, and the transformation of modern architecture in 1920s Germany. Bloomsbury Visual Arts.
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  • Fiorini, Juliana (2014). A casa do arquiteto: residências de arquitetos como paradigmas da arquitetura moderna 1927-1964. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, dissertação. https://doi.org/10.11606/D.16.2014.tde-30072014-164700
  • Guedes, Joaquim (2003). Casa e cidade. Um mestre da moderna arquitetura brasileira. In Vitruvius, 2(014.02). https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/02.014/3223
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  • Serra Lluch, Juan; Llopis Verdú, Jorge; Torres, Ana e Giménez, Manuel (2016). Color combination criteria in Le Corbusier’s Purist architecture based on Salubra claviers from 1931. Color Research and Application, 41(1), 85-100. https://doi.org/10.1002/col.21940
  • Wright, Frank Lloyd (1977). An autobiography. Horizon Press.


INFORMACIÓN PARA CITAR ESTE ARTÍCULO:

Brandi, Maria Fernanda Pilotto e de Oliveira César, João Carlos (2025, maio-outubro). Estudo de caso de três residências de Frank Lloyd Wright. Como o levantamento e a análise por meio de um sistema de notação de cromática auxilia na apreciação de projetos arquitetônicos. [En línea]. AREA, 31(2). https://doi.org/10.62166/area.31.2.3631